segunda-feira, 23 de março de 2015

Estágios Catalépticos do Ser
























Lentes opacas,
Translucidas,
Esmeraldas.

Vidraças escurecidas pela brasura do sol,
pelos ventos fortes vindos do sul e do sudeste.

Lentes.
Armaduras de um corpo morto, amorfo.
Visão entorpecida pela métrica dos dias que correm,
Pelos cálculos e matemáticas de corpos
Que se desdobram entre projeções
E o passado que não morre.

Olhar catalizado pela imensidão dos dias e das noites
Que teimam em passar em branco,
Mesmo quando os gestos e expressões sabem
A qualquer tipo de sensação mais ou menos entusiástica,
Em que a distância entre a possibilidade
Do estar em si mesmo e no outro
Não se define por uma simples linha recta,
com métricas e delimitações numéricas.

Tudo e nada.
A soma do todo,
divisão das partes.
Olhares milimetricamente testados
Por racionalizações estáticas.
Olhares que se indefinem perante a complexidade
E indefinições de um organismo em perpétuas transmutações
Entre o ser que o coabita e que resiste
Às intempéries da vida no exterior,
Às irracionalizações abstratas do eu em si mesmo.

E tudo passa em branco quando o ser autêntico
É percebido por um corpus padronizado de lógicas
Que se ligam entre si por linhas desordenadas .

E tudo passa em branco quando as correntes de dados
E ópticas e consensos e paradoxos e lógicas se autoalimentam
Nas correntes de ar impuras
Que trespassam as barreiras mal vigiadas do ser.

E tudo passa num simples aceno.
Os dias acordam uns a seguir aos outros
As noites vêm confirmar o dilema dos dias mortos
Em que tudo se esvai em lembranças e sensações
Que se fecham entre si e não deixam espaço
Para qualquer outro tipo de pensamento
Senão a dos dias e das noites que teimam em passar em branco.

Entreposto De Uma Alma Impura















Vejo uma cruz cinzenta ao pé da encosta que me viu nascer
Com meu nome escrito por extenso.
Encho minha pele de verrugas.
Cuspo no chão que me negou a sorte.
Menosprezo meu ventre que tão bem me acolheu

Parto sem rumo a procura de um norte que me abrigue.
Parto a procura da diferença que me faça, por segundos,
Enternecer meu ventre, entrar no presente
E saborear o sabor do vento.

Parto a procura de uma enchente de ternura
Que não saiba a carinho explícito,
Que não seja adocicado demais
Que não seja do tamanho do meu ego aparente
Que não seja nem meu nem eu.

Parto, estico os braços e por instantes,
De olhos fechados, sinto-me fora de mim,
Toco na minha pequenez, rio de meu próprio reflexo
Refletido nos tornozelos de minha sombra.

Parto a procura de sensações entusiásticas
Que me façam criar, circunstancialmente, um palco
Onde consiga escolher o repertorio inteiro
E seja o mais próximo de um eu
Que nunca terei a certeza que seja o meu.

Parto a procura de sensações
Nos mais pequenos pormenores
Que me saibam dizer, em silêncio,
Onde se esconde a minha sombra,
Que me aponte caminhos,
Que me faça ver pegadas.

Parto e não sei se volto.
Não sei se devo olhar para trás.
Talvez já tenha, no mais recôndito de minha alma, espreitado la para fora.
Mas não sei dar conta de que lados se esgueirou,
Sorrateiramente, minha alma nos seus lastros de lucidez.

Olho para a frente e não sei, no instante presente,
Dar sentido e vida ao que vejo.
Tento desesperadamente olhar bem no fundo
Aquilo que presumo ser meu som em nítido desprezo
Para com as luzes que se apontam na minha direção
A espera de um aceno.
De um toco apenas.

Parto, mas não sei se volto.
Parto apenas.

Sempre.