(Monólogo a três)
- Apaga a luz.Olha para o espelho.
O que é
que vês?
-Vejo
imagens em laços que, gradualmente, se afastam da porta traseira da casa, mesmo
atrás de mim.
-Aproxima-te
mais.
Diz-me agora, o que é que vês?
-No canto
esquerdo, a imagem de um chapéu. Parece de um homem que se quer esconder.
Pede-me para não o denunciar, mas não consigo. Até parece que perdi meus
movimentos. Mas também, o que é que querias que eu visse, se não há luz!?
-Toca no
espelho e diz-me o que é que sentes?
-Sinto
frio a cobrir-me a espinha. Parece gelado a superfície. Deve ser da madrugada.
-Lembras-te
desta canção? Faz-me lembrar de ti.
Quando a noite dorme e o silêncio parece
consternar-me. Olho para o cinzento do céu. Apetece-me toca-lo. Parece-me da
mesma cor que tu!
E a noite
parece que não passa. As velas já se apagaram todas e não sobrou nenhuma. Fico
aqui a espera. Ouço o vento que passa de mansinho pela janela. Oiço cada pingo
de água que cai sobre o telhado. Até posso sentir as nuvens em metamorfose la
em cima! Parece que o dia está a erguer-se. Olho então para o espelho. Vejo as
curvas de uma mulher, corcovada sobre o chão molhado. Olhos fixos no reflexo da
água. Ao mínimo detalhe, parece-me que se dá conta. Deve estar a espera de
alguma coisa ou de alguém! Por isso esse ar impregnado, fixo nos pormenores
sonoros. Parece estar pronta para sair dali a correr ao mínimo sinal que lhe
chegue. A porta entreaberta. Janela escancarada. Num salão grotesco e
sem mobília. Um ambiente perfeito, não fossem as velas terem apagado.
De
repente, olha para o espelho, com um ar cansado, esgotado: olhos escavados,
respiração que aumenta a cada movimento. Parece que passou a noite nisso,
nesses delírios entre seu corpo nu e o espelho. Como que a imitar os sons, em
sinopse, ergue-se do chão. Olha para o espelho e reconhece-se a si própria.
Sente cada batida do seu corpo e saboreia cada pensamento, cada sensação como
se fossem os últimos. A vida, a partir dali já não seria mais a mesma, nem as
coisas teriam as mesmas cores e nem os sons poderiam ser iguais. Tinha que
atravessar aquela porta e sair dali sem olhar para trás. Passou a manhã toda as voltas pelos cantos do salão, observando os contornos do dia que, da janela, ia
mudando de cor. Chegou a hora, mas não podia abandonar nada, porque aquilo tudo
lhe pertencia! Não podia sair do salão sem sua alma. Preferiu la ficar, ao som
dos dias e das noites a passarem pela janela. Quem sabe um dia. Quem sabe um
dia.