De acordo com
dados da polícia nacional, a onda de criminalidade em São Vicente está a
diminuir, sobretudo com a chegada da Brigada Anti - Crime, BAC, há seis meses.
No entanto, os são-vicentinos mostram-se apreensivos quanto às
sucessivas ondas de violência geradas entre adolescentes e crianças, muitas delas usuárias
de drogas.
Há vários bairros em São Vicente onde o hábito de se sentar
a porta de casa com os amigos a consumir drogas já se tornou um estilo de vida
e os olhares que cobrem esses jovens e adolescentes são de pura anestesia,
perante a realidade social que os cerca. A condição de pobreza é extrema e os
objectivos são recalcados pela cultura de roubos e assaltos pelas ruas do
Mindelo.
A situação complica-se, quando se observa que crianças
compreendidas entre os 8 e os 13 anos, já vêm desde cedo acompanhando estas práticas.
Muitas delas fazem parte de “Gangs” e já foram marcadas pela sociedade como “perigosas”,
pelos sucessivos abusos e actos de violência contra colegas e transeuntes.
Alguns moradores das proximidades dessas regiões admitem
ter receio de deixar suas crianças saírem às ruas sozinhas. “Já assisti um
grupo de crianças a agredir uma rapariga no meio da rua”, conta Bem-vindo
Silva, morador da Ribeirinha. “Queriam arrancar-lhe a bolsa e, se não fosse eu,
não sei o que seria. Por isso sempre acompanho a minha filha à escola ou fico a
vê-la daqui da porta até que ela chegue”.
Tenho medo de encontra-lo morto
Admilson é um caso entre muitos que já sofreu na pele os
abusos desses grupos. Foi espancado com socos e pauladas por um grupo de crianças,
enquanto brincava com um colega seu da escola. O seu amigo, José, conseguiu
escapar e foi-se esconder numa mercearia que havia lá perto.
“Ribeirinha é o lugar mais perdido que há. As vezes tenho
medo de sair e levar pancada, mas o medo maior é o de deixar o meu filho sair
sozinho e depois encontra-lo morto”, desabafa
o pai do rapaz, Anildo Gomes. “Por
isso sou muito rígido com ele. Faço de tudo para evitar que ele se integre com
estes grupos, porque as vezes são obrigados a entrar e, se não o fizerem, são
espancados”.
Segundo Maria Auxiliadora, moradora de Ribeirinha, a situação
de vulnerabilidade em que se encontram essas crianças é alarmante e, se não
houver nenhuma intervenção por parte das autoridades competentes, muitos ainda serão
arrastados para o mesmo caminho, porque “mesmo quem não encontrem violência em
casa, são influenciados pelos colegas. Se se é, constantemente vítima de violência
por parte de colegas, acaba-se por se tornar violento também.
Perda
de valores familiares
“A instituição família, está a desmoronar-se. Há falta de
acompanhamento por parte dos pais”,
afirma a animadora do Centro Orlandina Fortes, Paula Soares. “As vezes
desconhecem a própria identidade dos professores que ensinam os seus filhos. Há
muito individualismo no seio das famílias e isto impede que dialoguem com eles,
que participem das suas vidas, para que os possam auxiliar devidamente”.
As crianças que vivem nesses bairros estão, diariamente,
expostas a situações de vulnerabilidade, tanto dentro de suas próprias casas
como nas ruas. Segundo a psicóloga, Lenilda Brito, casos de pais alcoólicos ou usuários
de droga são cada vez mais frequentes, para além do uso descontrolado de
estupefacientes pelas ruas. “Consomem e depois deitam os restos no chão que
depois são reaproveitados pelas crianças”.
Adianta ainda que, “A polícia não consegue fazer nada se não
houver ajuda. Mesmo os centros, por mais acções que possam realizar, não
substituem as famílias. É um apoio, mas não conseguem suprir todas as lacunas”,
afirma.
Fazer
a diferença
O centro Orlandina Fortes, é um exemplo vivo de como é possível
fazer a diferença. Apesar das poucas condições e da falta de espaço, conseguiu
integrar cerca de 53 crianças no projecto, 26 de manhã e 27 de tarde.
O objectivo é integrar estas crianças em actividades
recreativas como a pintura, a reciclagem, a música e o desporto, para que elas preencham
os seus tempos livres da melhor forma possível, evitando que fiquem pelas ruas
expostas aos perigos. Para além disso, trabalham a auto-estima das mesmas que,
segundo a animadora, na maior parte das vezes é negligenciada pela ausência afectiva
dos pais.
“O nosso objectivo maior é trabalhar a auto-estima dessas
crianças. A pintura, por exemplo, é uma óptima forma de elas expressarem a sua
identidade, sua forma de pensar e de sentir. Nós não nos limitamos somente a
ensinar a técnica, mas também faze-las sentir que são úteis”.
“Células
cancerígenas em expansão”
Houve quem se referisse a este problema como “Células
cancerígenas em expansão”, que se não diagnosticadas a tempo podem significar a
emergência de um estado de “cronicidade” para a sociedade cabo-verdiana.
Segundo a psicóloga, Haidea Lopes, para resolver o problema
é necessário que haja sintonia entre
as entidades estatais e a sociedade civil, no sentido de reforçar e dinamizar as
capacidades locais e centrais.
“Urge uma intervenção precoce neste sentido, estimulando
os valores familiares, os valores de vizinhança e de união. Mas para isso é necessário
fazer-se um estudo aprofundado para o desmantelamento deste problema”.
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