quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Embriões de criminalidade atrapalham previsões da PN



 De acordo com dados da polícia nacional, a onda de criminalidade em São Vicente está a diminuir, sobretudo com a chegada da Brigada Anti - Crime, BAC, há seis meses. No entanto, os são-vicentinos mostram-se apreensivos quanto às sucessivas ondas de violência geradas entre adolescentes e crianças, muitas delas usuárias de drogas.

Há vários bairros em São Vicente onde o hábito de se sentar a porta de casa com os amigos a consumir drogas já se tornou um estilo de vida e os olhares que cobrem esses jovens e adolescentes são de pura anestesia, perante a realidade social que os cerca. A condição de pobreza é extrema e os objectivos são recalcados pela cultura de roubos e assaltos pelas ruas do Mindelo.

A situação complica-se, quando se observa que crianças compreendidas entre os 8 e os 13 anos, já vêm desde cedo acompanhando estas práticas. Muitas delas fazem parte de “Gangs” e já foram marcadas pela sociedade como “perigosas”, pelos sucessivos abusos e actos de violência contra colegas e transeuntes.

Alguns moradores das proximidades dessas regiões admitem ter receio de deixar suas crianças saírem às ruas sozinhas. “Já assisti um grupo de crianças a agredir uma rapariga no meio da rua”, conta Bem-vindo Silva, morador da Ribeirinha. “Queriam arrancar-lhe a bolsa e, se não fosse eu, não sei o que seria. Por isso sempre acompanho a minha filha à escola ou fico a vê-la daqui da porta até que ela chegue”.

Tenho medo de encontra-lo morto
Admilson é um caso entre muitos que já sofreu na pele os abusos desses grupos. Foi espancado com socos e pauladas por um grupo de crianças, enquanto brincava com um colega seu da escola. O seu amigo, José, conseguiu escapar e foi-se esconder numa mercearia que havia lá perto.

“Ribeirinha é o lugar mais perdido que há. As vezes tenho medo de sair e levar pancada, mas o medo maior é o de deixar o meu filho sair sozinho e depois encontra-lo morto”, desabafa o pai do rapaz, Anildo Gomes.Por isso sou muito rígido com ele. Faço de tudo para evitar que ele se integre com estes grupos, porque as vezes são obrigados a entrar e, se não o fizerem, são espancados”.

Segundo Maria Auxiliadora, moradora de Ribeirinha, a situação de vulnerabilidade em que se encontram essas crianças é alarmante e, se não houver nenhuma intervenção por parte das autoridades competentes, muitos ainda serão arrastados para o mesmo caminho, porque “mesmo quem não encontrem violência em casa, são influenciados pelos colegas. Se se é, constantemente vítima de violência por parte de colegas, acaba-se por se tornar violento também.

Perda de valores familiares
“A instituição família, está a desmoronar-se. Há falta de acompanhamento por parte dos pais”, afirma a animadora do Centro Orlandina Fortes, Paula Soares. “As vezes desconhecem a própria identidade dos professores que ensinam os seus filhos. Há muito individualismo no seio das famílias e isto impede que dialoguem com eles, que participem das suas vidas, para que os possam auxiliar devidamente”.
As crianças que vivem nesses bairros estão, diariamente, expostas a situações de vulnerabilidade, tanto dentro de suas próprias casas como nas ruas. Segundo a psicóloga, Lenilda Brito, casos de pais alcoólicos ou usuários de droga são cada vez mais frequentes, para além do uso descontrolado de estupefacientes pelas ruas. “Consomem e depois deitam os restos no chão que depois são reaproveitados pelas crianças”.
Adianta ainda que, “A polícia não consegue fazer nada se não houver ajuda. Mesmo os centros, por mais acções que possam realizar, não substituem as famílias. É um apoio, mas não conseguem suprir todas as lacunas”, afirma.


Fazer a diferença

O centro Orlandina Fortes, é um exemplo vivo de como é possível fazer a diferença. Apesar das poucas condições e da falta de espaço, conseguiu integrar cerca de 53 crianças no projecto, 26 de manhã e 27 de tarde.

O objectivo é integrar estas crianças em actividades recreativas como a pintura, a reciclagem, a música e o desporto, para que elas preencham os seus tempos livres da melhor forma possível, evitando que fiquem pelas ruas expostas aos perigos. Para além disso, trabalham a auto-estima das mesmas que, segundo a animadora, na maior parte das vezes é negligenciada pela ausência afectiva dos pais.

“O nosso objectivo maior é trabalhar a auto-estima dessas crianças. A pintura, por exemplo, é uma óptima forma de elas expressarem a sua identidade, sua forma de pensar e de sentir. Nós não nos limitamos somente a ensinar a técnica, mas também faze-las sentir que são úteis”.

“Células cancerígenas em expansão”
Houve quem se referisse a este problema como “Células cancerígenas em expansão”, que se não diagnosticadas a tempo podem significar a emergência de um estado de “cronicidade” para a sociedade cabo-verdiana.

Segundo a psicóloga, Haidea Lopes, para resolver o problema é necessário que haja sintonia entre as entidades estatais e a sociedade civil, no sentido de reforçar e dinamizar as capacidades locais e centrais.
“Urge uma intervenção precoce neste sentido, estimulando os valores familiares, os valores de vizinhança e de união. Mas para isso é necessário fazer-se um estudo aprofundado para o desmantelamento deste problema”.

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