terça-feira, 8 de novembro de 2011


Vasco Martins, homem da terra e que dela se inspira para criar, moldar a essência musical destas ilhas, com sinfonias e músicas brilhantes, que por momentos nos fazem esquecer das coisas vãs, e entrar no mais profundo do nosso ser para reencontrar realmente quem nós somos.

É difícil descrever o Vasco, até porque como ele mesmo diz, prefere que sejam os outros a descobrirem quem é. Mas a sua essência não se desintegra da música, intercalando nesta o florescimento daquilo que é e que continua a procurar nele mesmo como ser humano.

Homem humilde e generoso na sua essência, com uma simplicidade que desbota do seu olhar, dos seus sentidos e uma capacidade genuína de poder captar as vozes da natureza: suas mutações, os ruídos, a sua textura e tudo o que nela floresce.

Nascido em Queluz, Portugal, em 1956, filho de pai cabo-verdiano e mãe portuguesa, junta-se a família paterna em 1965 em São Vicente, terra que tanto o inspira e que possui no seu seio o seu local sagrado, o Monte Verde que é o lugar onde se encontra consigo próprio e onde consegue comunicar-se com o cosmo, com a natureza.

O sentimento que desenvolveu pelo Monte Verde, segundo ele, é mais do que paixão. A sensação que tem quando sobe lá em cima é a da comunicação com o absoluto e com o Universo: “há mutação das nuvens, o ar vivo, fresco; plantas endémicas, falcões de voos estacionários, águias, terra argilosa (bom para andar descalço), pedra de origem basáltica e calcário, brumas, nevoeiro: boa alquimia”. Visitou o Monte Verde pela primeira vez quando tinha 16 anos e desenvolveu logo um fascínio pela montanha. “Ver o universo do alto e sobretudo as brumas, o nevoeiro (lembro-me perfeitamente dessa sensação).”

Seu pai morreu aos 53 anos de idade. Caracteriza-o de um “Dandi”, “um bom viva, um músico amador virado para uma certa vivência mindelense”, apesar de começar a se relacionar com ele tardiamente, devido as diversas viagens que fazia por causa da função que desempenhava (bancário). A partir de determinada altura, por volta do 16/17 anos é que começou a conhece-lo melhor e a compreender a sua personalidade. Já a sua mãe, de 82 anos, é vista por ele como uma Árabe do Algarve – meio alentejana, meio algarvia. Embora separados pela distância (porque a sua mãe vive no Algarve) mantém uma relação de cumplicidade e carinho, assim como com os seus dois filhos. 

Assim como ele mesmo diz, ainda encontra-se a procura de si próprio. O facto de estudar o budismo há cerca de 15 anos ajuda-o imenso, apesar de não se considerar um budista no sentido da vida. POr enquanto diz que prefere ficar pelos ensinamentos, na força intelectual, na liberdade e abertura espiritual que lhe proporciona. Tres características que o ajuda a desenvolver mais as suas faculdades comunicativas entre a sua mente, o seu corpo e o seu espírito.

Não se considera uma pessoa especial, mas sente que se encontra numa etapa da vida, num caminho que as vezes tem a impressão de que está um bocado sozinho, apesar de não estar. Sente que a evolução do seu caminho espiritual e da sua música, encontram-se num patamar em que, as vezes, é necessário uma melhor comunicação com as pessoas.
Aquilo que sente (as suas aspirações) é exteriorizado por meio da música, embora seja mais abstracta (facto que o faz ter uma inclinação maior por ela) e com a poesia, apesar de escrever cada vez menos. Considera que as palavras são importantes sim, mas ficariam incompletas se não existisse a música, aquela que traz consigo o lado mais humano das pessoas, aquela que o identifica como pessoa. 

Recorda-se que, aos 9 anos de idade, gostava de cantar as músicas dos Bittles, apesar da sua paixão pela música começar a se desenvolver por volta dos 16/17 anos, quando começou a estudar piano com a sua tia Lili, na cidade do Mindelo.


Foi viver para o Madeiral há cerca de 5 anos, porque achou que na cidade o seu canto do coração estava nublado. A sua essência enquanto pessoa, enquanto permanece nas cidades é diferente daquela que tem quando está em contacto directo com a natureza. “Nas cidades há um envolvimento mais humano, mas também há uma espécie de defesa. Dpobarulho, o extresse demasiado dos carros e mesmo das pessoas.” Diz que é difícil estar nesta situação e ser a mesma pessoa do que quando se está na natureza, porque, segundo ele, na natureza conseguimos ser aquilo que verdadeiramente somos.

Diz que nas cidades tem-se a impressão de se estar desligado da natureza," entretanto tudo não passa de uma ilusão, porque sem a natureza não se pode viver, porque é de lá que vem o oxigénio, de lá é que vem toda a orgânica da vida. Sente que, quando se afasta da cidade tem-se uma ligação maior com a natureza, porque está-se mais próxima dela. Tanto na cidade como no campotudo está, mas claro que a cidade coíbe essas relações, com demasiado barulho, demasiado extresse, o que dificulta depois a penetração e a comunicação com a natureza".

Nas cidades, diz ele, "há uma espécie de teatro que nos envolve e é difícil ser-se aquilo que verdadeiramente se é". Admite já estar habituado com a vida do campo, longe das cidades, facto que torna cada vez mais difícil estar do outro lado, apesar de não desconsiderar a importância das cidades.

Uma frase escrita por ele que está no “Quiet Moment” diz que “só no silêncio se pode construir belas coisas. É uma espécie de realização do absoluto que há em nós próprios.” Diz ele que há muita gente que não suporta o silêncio, que não suporta nem o latejar do próprio sangue ou o bater do coração.


Considera-se um afortunado pela vida - realizou tudo aquilo que queria dentro da música, na investigação, na poesia -, para além da sua vida pessoal com os amigos, “de vez em quanto um bom vinho do Alentejo”, e com a sua família que ele caracteriza de atómica.

Se a vida lhe propusesse a questão de ter de escolher um outro lugar para viver, ele diria os Himalaias (nas encostas), no Norte da Índia ou no Sul do Nepal. “Talvez 4 meses nos Himalais, depois 2 a dar concertos nas cidades e 6 meses em cabo verde.”

Possui uma enorme generosidade e optimismo na forma como encara a vida, sobretudo paciência para aceitar as coisas como elas são. Diz ele que “muitas vezes o pessimista, no fundo é uma pessoa optimista bem informado”. Não acredita que consigamos realizar tudo aquilo que queremos, mas com energia, esforço e vontade conseguimos realizar as Coisas que, verdadeiramente, nos vem do coração, no seu sentido mais puro.

Caracteriza o homem cabo-verdiano como um ser duro, derivado, sobretudo dos 500 anos de história (grandes fomes, escravaturas, …), que o faz desligar das coisas mais preciosas, vindas da alma, em prol da competitividade, que só o faz se desvirtuar do verdadeiro sentido da vida. Ele afirma que está na altura de se começar a trabalhar os espíritos.

Quanto a cultura cabo-verdiana, afirma que nunca houve na história da cultura de cabo Verde tantos artistas e que a nossa música e alguma literatura hoje são mais reconhecidas lá fora, para além do historicismo da mesma que está cada vez mais presente em obras que referenciam os grandes nomes que contribuíram para o enriquecimento da cultura. Por outro lado, fala da não existência de mecanismos de protecção e divulgação daquilo que se vai produzindo.


Vasco martins, homem generoso, que gosta de contemplar as coisas, observar o universo: ultimamente as coisas que mais gosta de fazer é a contemplação do mar, lua, montanhas, meias encostas, colinas, sol, luz, natureza.

“Quando andamos em cima da terra (do planeta), quando respiramos, respiramos o oxigénio do planeta. Estamos no espaço de tempo que é o espaço de tempo do universo e sem o espaço-tempo há um colapso no Universo, o cosmo não existe. O cosmo precisa de um observador e nós somos o próprio observador. Portanto, ou temos consciência dessa ligação e vamos com ela e nos faz bem e fazemos bem ao próprio ambiente (porque o homem é o ambiente e o ambiente é o homem), ou não temos essa consciência e há um corte e esse corte é que faz a maior parte das infelicidades e da incompreensão. “
                                                                                            



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